quinta-feira, 26 de março de 2015

um poema da ORPHEU

ODE TRIUNFAL, de Álvaro Campos

À dolorosa luz das lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagem, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria dentro e fora de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiado perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
(...)
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios,
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia-hô! eia!
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade.
(...)
In Orpheu , nº 1

CEM ANOS DA REVISTA ORPHEU


 Quase em simultâneo, a morte do poeta Herberto Hélder e a comemoração dos cem anos da revista Orpheu! Se é que é possível datar o nascimento de uma revista literária e a morte de um poeta...
Sobre Herberto, calemo-nos, pois era essa a vontade do poeta. Já sobre a (o) Orpheu, recordemos que, apenas com dois números publicados, em Março e Junho de 1915, revestiu-se de um notável significado no panorama artístico e literário em Portugal. Sendo um projeto eminentemente literário pensado por Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, procura romper com o tradicionalismo nacionalista e europeizar as letras portuguesas. Na Orpheu se destacam também artistas plásticos, como Almada Negreiros (que fez o célebre Retrato de Fernando ou Lendo Orpheu, em que Pessoa surge sentado a uma mesa e onde se vê o número 2 da revista) e Santa-Rita Pintor. Na revista se divulgaram trabalhos absolutamente vanguardistas que escandalizariam a crítica e o público, nomeadamente, a Ode Triunfal, de Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, cuja obra, na época, não ultrapassava um pequeno círculo de amigos e admiradores. NOS NOSSOS DIAS, COMO SERIA UMA REVISTA VANGUARDISTA?

domingo, 15 de março de 2015

PLANO NACIONAL DE CINEMA


Filme: Aniki-Bóbó, de Manoel de Oliveira
20 Março, 8.30 e 12.00 - Auditório da ESVV
FILME: Aniki Bóbó (1942) é um filme de Manoel de Oliveira, a sua primeira longa-metragem de ficção. O argumento baseia-se no conto Os Meninos Milionários, da autoria de João Rodrigues de Freitas (1908 -1976), escritor e advogado.
REALIZADOR – filho de um rico industrial, educado num colégio jesuíta, campeão nacional de salto à vara (além de piloto de aviões e corredor de automóveis, ginasta e artista de circo) foi sempre apaixonado pelo cinema.
No Porto vê os seus primeiros filmes expressionistas alemães e vanguardistas franceses.
Aos 18 anos decidiu ser ator, entrando como figurante num filme de Rino Lupo, “Fátima Milagrosa” e mais tarde foi galã do primeiro filme sonoro português, “A canção de Lisboa” de Cotinelli Telmo (1933).
Aniki-Bóbó aborda o tema poético da oposição entre o mundo fechado, conformador e repressivo da escola e o universo livre da rua, território das brincadeiras e do sonho.
Os miúdos-atores são da Ribeira do Porto. Só os técnicos e um ou dois actores são profissionais. Temia-se que a censura não deixasse passar o filme. António Lopes Ribeiro, amigo do realizador, usou dos seus conhecimentos para o fazer aprovar pela censura. O pior viria a seguir: recebido entusiasticamente pela crítica mas repudiado com veemência pela imprensa conservadora, foi considerado imoral e subversivo. Também não caiu nas boas graças do público e caiu no esquecimento até que em 1954 foi recuperado pelo Cine Clube do Porto. Vinte anos depois é premiado em Cannes num Encontro de Cinema para a Juventude.
 A Equipa do PNC
Cartaz

Imagem do filme

COMUNIDADE DE LEITORES

STONER, JOHN WILLIAMS, Ed. DOM QUIXOTE, 2014
É o amor à literatura que é abordado no próximo livro da nossa Comunidade. Romance publicado em 1965, mas que passou despercebido, tal como o seu autor, John Williams, professor universitário americano. Redescoberto passados cerca de 50 anos, foi aclamado por grandes autores, nomeadamente, Julian Barnes, Ian McEwan e Bret Easton Ellis. Dele disse um crítico: "É o melhor romance que ninguém leu". Esperando não quebrar o encantamento do que se guarda secretamente, vamos lê-lo e conversar sobre ele, no dia 17 de Abril, à tarde, na nossa biblioteca.
Boas leituras de Páscoa!



sexta-feira, 13 de março de 2015

AVÓS NA BIBLIOTECA DA ESVV


AVÓS E NETOS NA ESCOLA SECUNDÁRIA DE VILA VERDE

 Os alunos da turma A do 8º ano de escolaridade convidaram os avós para um encontro na sua escola. A atividade decorreu a 25 de fevereiro e contou com a presença de um grupo de avós que prendaram os seus netos com histórias de vida, na primeira pessoa, que impressionaram e fizeram as delícias a alunos e professores.
Foi uma ação pedagógica enquadrada no projeto interdisciplinar da turma, “A Casa”, pretendendo-se atingir um conjunto de finalidades, das quais se destacam, o diálogo intergeracional numa perspetiva humanista de troca de saberes e afetos.
Os avós, acompanhados por alguns professores da turma, surpreenderam os alunos na sala de aula, tendo a possibilidade de conhecer as condições que, hoje, os seus netos dispõem na escola. Ficaram agradados com as ótimas condições de aprendizagem dos seus netos e fizeram algumas considerações sobre a precariedade das escolas do seu tempo de meninos.
Feita a visita à sala de aula, a turma teve o seu momento de recreio, enquanto os avós, acompanhados pela professora de História, fizeram uma breve visita às instalações da escola.
Chegado o momento da conversa com os avós, reuniu-se o grupo de alunos, avós e professores da turma, na biblioteca da escola. A expectativa deste momento sentia-se nas expressões dos adolescentes. Depois de uma breve apresentação dos avós e de um momento de poesia, seguiu-se o diálogo. Foi então que o João interpelou os presentes, questionando se, na sua juventude, a dieta alimentar incluía mais carnes brancas ou vermelhas. A resposta ouviu-se em coro: “que carnes! […], “não havia carnes, comíamos sopas de papas”. Houve alunos que insistiram: “então não criavam galinhas …?”. Pois, na verdade criavam, entre outros animais, mas eram para vender. O dinheiro fazia falta para comprar produtos que a terra não oferecia.
A conversa entre netos e avós continuou por mais de uma hora, despertando grande entusiasmo, surpresa, perplexidade e curiosidade nos jovens alunos. Foram contados episódios de vida singulares, que maravilharam os presentes, vividos num contexto histórico marcado por enormes dificuldades. Histórias, retratos de vidas, que os netos, com certeza, jamais esquecerão.
Por Fátima Couto, professora de História

COMUNIDADE DE LEITORES


Ainda a propósito d'A Rainha Ginga, de José Eduardo Agualusa

Notas de uma leitora que, na sua juventude, lia banda desenhada: "não sei porquê, mas ao ler a Ginga, senti-me mergulhada no ambiente das aventuras de Tarzan!"

quarta-feira, 4 de março de 2015

AINDA BERLIM


VIAGENS COM LIVROS/LIVROS COM VIAGENS

BERLIM
"Ao longo dos anos, já estive várias vezes na Alemanha. No final dos anos 70, Berlim parecia exótica e excitante, um ícone da guerra-fria. Lembro-me de atravessar o bem guardado corredor entre Hamburgo e Berlim - que, na altura, nos parecia o mesmo que passar pelo meio de duas filas de homens armados que se estendiam ao jongo da parte da Alemanha de Leste- que terminava já depois do Checkpoint Charlie, o posto militar controlado pelos EUA no Muro de Berlim (...).Ao mesmo tempo, havia uma degeneração evidenciada nos vários clubes e discotecas punk de Berlim Ocidental. Lembrávamo-nos sempre de que estávamos confinados aqui, éramos prisioneiros numa ilha de luxo, cultura e prazer - deixada cair pesadamente no interior do Leste pardacento, sério e moralista. (...)
Para a cidade emparedada e sem espaço para se expandir que era nos anos 60, 70 e 80, Berlim tinha uma quantidade surpreendente de parques e zonas inexploradas de terreno rural. sendo praticamente plana, era, e continua a ser, um sítio perfeito para se andar de bicicleta, embora os Invernos possam ser de um frio cortante, com os ventos, vindos do Norte, a varrerem tudo (...)." in David Byrne,  Diário da Bicicleta, Quetzal, 209, pp. 66-67
A propósito da Rainha Ginga
"Assim, nesse mesmo dia, por volta das seis da tarde, surgiu no Palácio do Governador vestida, como era seu hábito, com uma bela capa escarlate sobre os ombros magros e um finíssimo pano de musselina, com flores pintadas, elegantemente preso à cintura por uma cinta de camurça, cravejada de diamantes e de outras pedras raras. O governador recebeu-a sentado num cadeirão alto, quase um trono, tendo ao seu lado as autoridades militares. Para Ginga reservara uma almofada, debruada a ouro, sobre uma sedosa alcatifa. Não o fizera por malícia ou má-fé, antes para agradar à embaixadora, pois os seus conselheiros lhe haviam assegurado que os potentados gentios não apreciam cadeiras, preferindo sentar-se no chão raso. A Ginga não o entendeu assim. Deu ordens a uma das escravas, uma jovem mulher de graciosa figura, chamada Henda, para que se ajoelhasse na alcatifa e, para assombro de todos os presentes, sentou-se sobre o dorso da infeliz." in José Eduardo Agualusa, A Rainha Ginga - E de como os africanos inventaram o mundo, Quetzal, 2014, p.35